Crítica: The Americans

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ATENÇÃO: ESTE POST CONTÉM SPOILERS

Acompanhar uma série protagonizada por um anti-herói é sempre um desafio: ao mesmo tempo em que você se envolve com o personagem, sabe que ele faz coisas que seriam imperdoáveis na vida real. Esse dilema do espectador fica ainda maior quando são dois anti-heróis que lideram a história.

É o que acontece em The Americans, cuja último episódio foi ao ar nos EUA na semana passada. Após seis temporadas acompanhando Elizabeth (Keri Russell) e Phillip Jennings (Matthew Rhys), dois espiões da KGB que se passam por americanos durante a Guerra Fria, nos anos 80, foi muito difícil torcer para que eles fossem pegos, apesar de serem sociopatas, manipuladores e assassinos profissionais.

Para a surpresa de todos, porém, não foi o que aconteceu. Eles não foram presos, tampouco morreram. Conseguiram voltar à União Soviética e cumprir a última missão que lhes foi dada. Não significa, porém, que o sucesso veio de graça: tiveram que abandonar o filho Henry (Keidrich Sellati) e foram abandonados pela filha Paige (Holly Taylor), em uma das melhores cenas da série, ao som de With or Without You da banda U2.

Há diversos motivos que fazem com que The Americans seja uma série diferente das demais. Um deles é o fato de grande parte das falas ser em russo, com legenda em inglês, ao muito incomum na televisão americana. Manter as falas em russo mostra não apenas comprometimento com a sensação de veracidade da história, mas também demonstra confiança na capacidade do espectador de se envolver com personagens e enredos completamente fora da zona de conforto (o que, novamente, não ocorre com tanta frequência nas séries).

Outro diferencial é a dinâmica do casal principal, no qual a esposa é quem passa a ser a personagem mais forte. Isto porque, no início da temporada, Philip não está mais envolvido com a KBG. O peso da culpa, após destruir tantas vidas, chegou a ser insuportável e ele passou apenas a trabalhar de verdade na agência de viagens da qual são donos. Elizabeth, por sua vez, está em mais missões do que nunca, fumando sem parar, exausta, mas sem desistir de seus ideais de que tudo o que faz é para o bem maior de seu país.

A relação do casal com os filhos também chama a atenção. Elizabeth sempre foi mais fria com eles, afinal, seu casamento com Philip ocorreu apenas e tão somente para que eles pudessem se passar por uma família americana comum. Na sexta temporada, por exemplo, Elizabeth ensina Paige a ser uma espiã, mas não cansa da mentir à filha sempre que necessário: insiste em dizer que nunca teve que matar ninguém, quando nós sabemos que ela assassinou inúmeras pessoas, das mais diversas maneiras.

Phillip e Henry estão mais próximos e têm mais assuntos em comum, mas Philip o abandona sempre que há uma missão a ser cumprida.

O último episódio da série é um excelente exemplo do porquê esta série é uma das melhores dos últimos tempos, ainda que, lamentavelmente, não seja um sucesso de público. A cena em que o agente do FBI Stan Beeman (Noah Emmerich) confronta Phillip, Elizabeth e Paige em uma garagem é uma aula, com ótimo roteiro e excelentes atuações. São 12 minutos de conversa em que Phillip usa todo seu arsenal de manipulação para convencer Stan a deixar que eles saiam ilesos.

Outra cena memorável ocorre no trem para o Canadá, já mencionada no início do post. Phillip, Elizabeth e Paige estão sentados separados e a polícia verifica o passaporte de todos. Por um momento, os espectadores acham que eles serão descobertos. Quando o trem volta a andar, temos a sensação de que podemos respirar novamente, até que ouvimos o Bono voltando a cantar With or Without You e vemos que Paige saiu do trem, abandonando seus pais.

O final da série, portanto, não teve mortes ou confrontos físicos, como muitos antecipavam. Alguns poderiam até dizer que foi um final feliz para o casal Jennings, já que voltaram à Rússia ilesos. Na verdade, porém, eles voltaram com uma cicatriz muito maior: não apenas ficaram sem os filhos, mas também sabem que provavelmente nunca os verão novamente.

The Americans entra para a história da televisão americana como uma das melhores séries já feitas, com todas as temporadas impecáveis e atuações ótimas de todos no elenco, além de atenção a detalhes, personagens bem desenvolvidos, bom equilíbrio entre drama pessoal e drama político.

Espero que o público descubra essa série, ainda que tardiamente, já que séries que se passam na década de 1980 têm feito sucesso recentemente, especialmente pela trilha sonora. Com In the Air Tonight (Phil Collins) no episódio piloto e With or Without You (U2) no episódio final, The Americans prova que ter músicas boas é apenas um adicional à já extraordinária história a ser contada, com dois dos melhores anti-heróis já retratados na televisão.



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